Publicado em: Setembro 8, 2023 Por: Frederico Duarte Comentarios: 0

Há muitos anos, nos anos 70 do século passado, Portugal deixou ser “antigo” e passou a ser “moderno”, deixou o artesanato e pegou-se à indústria. 

No sector vitícola iniciou-se um dinâmico e profundo processo de renovação dos vinhedos que abandonavam a vinha tradicional e o seu conceito cultural ancestral e abraçavam as vinhas com clones selecionados de apenas algumas castas eleitas, plantadas por talhão e regadas quando o tempo seco o exigia. Uma cultura milenar de sequeiro passou em poucos anos a cultura de regadio. 

Estas vinhas modernas começaram a produzir vinhos com mais cor, mais fruto, mais álcool e em certa medida com prova de tom mais macio e adocicado. Em poucos anos os vinhos uniformizaram-se em torno deste novo conceito. 

E as vinhas velhas foram esquecidas durante um período mais ou menos longo de tempo pois eram o espelho do atraso e anacronismo vitícola nacional.

 Mas no princípio dos anos 90 já havia um movimento de resgate deste conceito iniciado um par de anos antes pelo sempre inovador produtor de vinho bairradino – Luís Pato – que lança com a pequena, mas excelente colheita de 1988 o seu primeiro tinto de cognome “Vinhas Velhas”

Vinho mais austero, mais sumarento, mais rico e insondável abria o caminho a um novo conceito de vinha rara, única e inimitável.

Alguns (muito poucos) produtores alinharam neste volte-face que desvalorizava todo o trabalho inovador realizado (com assinalável sucesso comercial) nas últimas duas décadas.

Desde sempre fui um defensor deste movimento contra uma modernidade serventuária do espírito industrial uniformizador.

Vinhos feitos com as mesmas castas, dos mesmos clones selecionados, seguindo na adega a mesma sebenta e na vinha a mesma técnica de regadio deixaram de me entusiasmar. E é sempre o entusiasmo e eventualmente a emoção que procuro em qualquer copo de vinho. Já tenho alguma idade e deixei de ter tempo e paciência para frivolidades. 

E foi como defensor do conceito de “vinha velha” fiel depositária do espírito vinícola português que cheguei à minha “montanha dos sonhos” – a Serra de S. Mamede no nordeste alentejano, onde adquiri em 2009 uma pequena quinta com uma vinha muuuiito velha.

Foi neste ano (uma colheita bem quente) que fiz os primeiros Solstício (tinto) e Equinócio (branco) na Quintas das Cabeças na freguesia do Reguengo no local serrano baptizado com este nome, que fica por detrás da cidade de Portalegre. Ainda hoje 14 anos depois de iniciada esta nova aventura de vida, estes vinhos mostram que a opção tomada estava certa.


Estes vinhos continuam a ser feitos exclusivamente com as uvas da nossa quinta e são hoje vinhos Bio que iniciaram, entretanto, o processo de certificação biodinâmica feita pela organização Demeter.

A partir do ano de 2014, já com pequena adega própria, onde hoje vinificamos cerca de 30 toneladas de uva por ano, começaram a surgir novas marcas, novos caminhos, novos sonhos em forma de vinho da Serra de S. Mamede.

 

As vinhas destes vinhos estão quase todas na freguesia do Reguengo, além da nossa, são mais 12 a 14 pequenas vinhas centenárias, com lotes de castas variadas e misturadas entre si e quase sempre cultivadas na companhia de outras árvores de frutos, tais como oliveiras, figueiras, cerejeiras, macieiras, pereiras, amendoeiras etc. Vinhas sem arames, conduzidas em taça que possuem um “não sei o quê” de jardins.

 

Com elas, além dos “caseiros” Solstício e Equinócio produzimos as seguintes marcas de vinhos todos eles com garrafas numeradas:

 

Seiva – a marca com a qual consagramos o mundo vegetal, representada por vinho tinto de perfil clássico.

Quartzo – a marca com a qual consagramos o mundo mineral, representada por vinho branco de perfil clássico.

Respiro – a marca que consagra a “Vida” e é aqui representada pelos vinhos da “descoberta”.

 

Vira Cabeças – a marca do chamamento, que procura novos seguidores e consumidores, uma espécie de introdução aos vinhos clássicos das Cabeças do Reguengo.

A cronologia dos sonhos

Solstício surge em 2009. Eram apenas 2 barricas de 225L mas o vinho que continham mostrava um caminho sem curvas.

Equinócio também em 2009. Terá sido o primeiro o melhor? Ainda hoje tenho dúvidas. Ou será que hoje, 14 anos depois, eu não gostaria de um branco explosivo com 14% Vol. Seja o que for a verdade é que as primeiras 3 barricas de Equinócio, fizeram imenso furor. Mais este que o Solstício, que necessitava de mais alguns anos de garrafa para evidenciar todo o seu esplendor, o Equinócio mostrou-me que estava absolutamente certo quando decidi, uma vez mais, mudar o rumo de vida de “especialista” de vinhos para produtor de vinho.

Respiro Clarete, um tinto refrescante de Verão (e de Inverno para os pratos fortes desta estação) surge em 2014 após a ideia de reproduzir os vinhos que os avós da minha geração bebiam, vindos sempre de uma pequena vinha, normalmente a vinha do quintal, com uma mistura de castas brancas e tintas.

Seiva, o tinto de perfil mais estruturado, fresco e sólido, também chega em 2014. Costumo dizer que este é o meu tinto do Bacalhau, sou um grande apreciador deste nosso “fiel amigo” e de momento não conheço outro tinto que faça um pairing tão bem-sucedido como este suculento tinto.

Quartzo, branco de perfil terroso e mineral chega com a colheita de 2016. O sucesso foi imediato. Num evento de vinhos no Porto, em 2019, num rápido passa palavra estava rodeado de jornalistas, comerciantes e outros produtores com copo estendido aguardando oportunidade de provar um branco exótico e raro. Deu-me a sensação, pelo relambório, que foi o vinho do evento. Ou terá sido só impressão minha?

Seguiu-se-lhe a colheita de 2018, igualmente avassaladora e agora a de 2021 tem em mãos o dever de honrar o nome. Faz pouco tempo numa feira de vinho no Algarve, um idóneo consumidor holandês, forte apreciador e comprador de néctares, dizia-me que era o melhor branco da Feira…

Respiro Lagar, vinho branco de maceração total, o chamado “vinho branco antigo”, complexo e sedutor, também em 2016.

Respiro Altitude, vinho branco da frescura e elegância, um retrato da Serra de S. Mamede, inicia carreira em 2016.

Vira Cabeças branco de perfil clássico, normalmente representa um Equinócio ou Quartzo “desclassificados”, ou um vinho que não encaixa no perfil destes dois vinhos tão especiais, surge em 2016 e segundo o nosso importador Sul Coreano, foi o primeiro vinho português a integrar a lista de um restaurante estrelado Michelin em Seul.

Respiro Seda, a surpresa, leveza e subtileza de um branco menos encorpado, mas tão ou mais intenso que os outros irmãos Respiro, aparece em 2017.

Vira Cabeças tinto, de perfil clássico, normalmente representa um Solstício ou Seiva “desclassificados”, ou um vinho que não encaixa no perfil destes dois tintos tão especiais, surge em 2017.

Respiro Natural, uma experiência de vinho sem sulfuroso antioxidante e com recurso à flor de castanheiro para combater potenciais sintomas de oxidação. A única colheita foi feita em 2019, mas devido aos inúmeros pedidos vamos reeditar na colheita de 2023.

Respiro Cimento (edição única) um vinho que foi feito em 2020 para testar a capacidade do cimento para a fermentação e estágio de brancos. O teste teve franco sucesso e é agora prioridade da casa aumentar a sua capacidade em depósitos de cimento. Poderá ser reeditado no futuro.

Respiro TE, um Castelão feito à moda antiga, até ao momento edição única de 2020. Uma autêntica “reserva do patrão”. Como à época não havia um Castelão daqueles que me ensinaram a gostar de vinho nos anos 80, decidi partir para a “aventura Castelão” e fui premiado na iniciativa por um tinto lindo, delicioso e absolutamente gastronómico.

E o futuro dirá se vai haver mais sonhos nesta minha pequena e mágica montanha de vinhos – a Serra de S. Mamede.

À saúde e bom proveito!

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